Homenagem de Manuel Neto dos Santos a Zeca Afonso, 2013
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A VIDA
Manuel Neto dos Santos nasceu a
21 de janeiro de 1959, em Alcantarilha, Silves (Algarve).
Poeta, declamador, formador de
língua portuguesa, ator, artista plástico.
***
Concluiu os estudos na Escola
Secundária de Silves e chegou a cursar Filosofia na Universidade Clássica de
Lisboa. Vive em São Bartolomeu de Messines, em Silves.
Autor prolixo, de vasta obra lírica,
tem éditas e inéditas muitas coletâneas poéticas. Estreou-se literariamente, em
1988, com a recolha de poemas O fogo, a
luz e a voz, editado pela Associação de poetas do Alentejo e Algarve, não
mais deixando de publicar: Atalaia (1989), Trovas de um homem da terra (1991), No país de Amália (1992), Idílios de Al-Buhera (1996), Timbres
(1999), Ídola (2002), Versos de redobre: à memoria de João de Deus (2004), Sulino (2012),
Claves do sol e da lua ( 2013), O
corpo como nudez (2014), Aurora
boreal ao sul (2015), Círculo de fogo (2016) e Passionário (2016).
Sobre a obra de Manuel Neto dos
Santos disse
José Varela Pires:
“[...] é um poeta da mais fina impressionabilidade, homem telúrico, possuído de uma nunca extinguível nostalgia da infância, como paraíso mítico, que a todos nos resgata e fascina, e continua como poeta a inquirir-se sobre o mistério da vida, as suas fontes, traduzidas na universalidade das imagens poéticas que gera. Diremos que, na sua poemática, assistimos ao desenvolvimento de uma criação ao mesmo tempo ética e estética, tendente a reconciliar na paz o ser consigo mesmo, encontrando a sua própria expressão na harmonia.” E ainda: “Temo-lo aqui, no Algarve, bem perto de nós, e também por esse Portugal fora, também nos Açores, humilde como nobre, persistente como sentimental, um grande poeta do absoluto e da palavra, celebrando a liturgia do poema, transcendente, poeta de quem se há- de falar muito mais no futuro.” (“Biblioteca Municipal de Silves Apresenta ‘O Viandante das Palavras’”, A Voz do Algarve [digital], 22.01.2015).
Como editor literário,
coorganizou o volume Poeta é o
povo: colectânea de poetas populares do Alentejo e Algarve (Lagoa, 1990). Após leituras e
recolhas que tiveram início em 1994, edita o volume Subsídios
para a história da poesia do Algarve: séc. XI-XX (Silves, 2000) cuja
compilação de textos remonta ao período da presença árabe no Algarve. Organizou ainda dois volumes da obra da poetisa Adelina Bárbara Vieira, As letras e
as palavras (1991) e Coração analfabeto (1994).
Tem textos breves ou apresentações sobre Raíz de lado nenhum (1992) de Mendes Bota; Raiz perturbada ou a navegação do amor
(?) de Miguel Afonso; A guardadora do
tesouro e a vara de ouro (1998) de Eduarda Faria da Rosa. Destaca-se o volume
biográfico e de estudo do poeta e pedagogo João de Deus [São
Bartolomeu de Messines, 1830 - Lisboa, 1896], publicado na celebração do aniversário do
nascimento de João de Deus: De Deus a
algazarra de silêncios: vida e obra de João de Deus (1996).
Tem
representado a poesia algarvia no estrangeiro – por ex., em 1992, esteve em
Estrasburgo e Colmar – e tem promovido em Silves, com o poeta inglês Peter
Pegnall, o encontro entre poetas lusos e anglófonos. Como declamador de poesia,
tem visitado escolas e bibliotecas do Algarve, para além de ter proferido
diversas palestras sobre João de Deus.
Dizendo um poema no Dia Mundial da Poesia, 21.03.2013.
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A sua
atividade abarcou também a produção e a
apresentação de programas radiofónicos de natureza literária, cujos textos
colige em Trovas de um homem da
terra (1991). Em 1997, concebeu e apresentou na Rádio Racal “Lendas das Moiras
Encantadas” [a Rádio Racal, uma rádio local , é atualmente a Radio
Algarve 92.4 FM Silves]. Em 1998, a sua poesia inédita é divulgada diariamente
no programa radiofónico “Roteiros”.
Ainda nesta valorização do dizer
poético e do uso de recursos multimédia, o
poeta gravou um CD de declamação em 1999, fazendo o seu lançamento na
Ilha do Faial, onde os textos foram escritos – Umabel, ou o Anjo da Ilha Azul (2000).
Integrou como ator o Grupo de Teatro Penedo Grande, de
São Bartolomeu de Messines, em Silves, tendo-se destacado, em 1997, no papel de
Telmo Pais do drama romântico Frei Luís
de Sousa, que representou também no Teatro da Trindade, em Lisboa. Desempenhou
vários papéis na peça “O processo do
guerrilheiro” de Teodomiro [Cabrita] Neto, estreada a 28 de julho de 1999 no
adro da igreja da terra onde está sediado o Grupo, mas que será exibido em
itinerância. No mesmo ano, participou na peça de Fonseca Lobo “O
pecado de Sofia” (O pecado de
Sofia: teatro. Lisboa: Plátano, 1993).
Ainda no âmbito do teatro, escreveu
diversos poemas que serão musicados para
o espetáculo dos casinos do Algarve – “Alma Algarvia”, em cena durante meses.
Participou
na série televisiva da BBC « Sunburn »,
gravada a partir de 19 de janeiro de 1999 e que acompanhava a vida de um grupo de
“holiday reps” (representantes de agências de viagens que prestam
assistência aos turistas) britânicos.
Em 1998-99, Manuel
Neto dos Santos foi nomeado para o Prémio Primus Inter Pares (Artes e Letras) junto
com Lídia Jorge e Casimiro de Brito. Agora, o seu talento inspira outros poetas.
Prémio de Poesia Manuel Neto dos Santos - Arandis Editora
Como artista
plástico, algumas das suas obras surgem nas capas ou como ilustração das suas
coletâneas de poesia. As suas capas são geralmente concebidas por artistas e um
dos livros mais ilustrativos do diálogo entre Poesia e Arte é o álbum Círculo de fogo (2016), com aguarelas de Fernando Lobo e capa
do poeta e de Fernando Lobo.
A OBRA
Poesia
- O fogo, a luz e a voz: poemas escolhidos. Lagoa: APPA [Associação dos Poetas Populares do Alentejo e Algarve], 1988. – 171 p.; capa de Mark Vogel.
- Atalaia: comemorações do 8.º centenário da tomada de Silves aos mouros [sonetos]. Silves: Câmara Municipal, 1989. – 144 p.; capa de Glyn Uzzell. – Aquando do ano das comemorações da tomada da cidade de Silves aos mouros, 1989, publica este volume, no qual o autor encarna a figura do poeta Al’Mutamid, traçando a sua vida e a sua obra.
- Trovas de um homem da terra. Ed. de autor, 1991. – 170 p.; capa de Rob Small. – Volume que resulta da sua atividade como produtor e apresentador de programas radiofónicos literários.
- No país de Amália. Lagoa: Tribuna do Algarve, 1992. – 77 p.; capa do autor.
- Idílios de Al-Buhera: poesia. Il. Maria Francisca Sebastião. Albufeira: Câmara Municipal, 1996. – 45 p.; capa do autor.
- Timbres: inéditos 1996-1998. [Vila Real de Santo António]: Comunical, 1999. – 175 p.; capa de João Ferreira sobre foto do poeta, de Gerard Byward.
- Umabel, ou o Anjo da Ilha Azul – CD de declamação sobre obra homónima. Algarve: Ministério da Cultura; Cidade da Horta: Faialentejo –, 2000. – Capa do autor. – O CD é gravado em 1999 e o seu lançamento ocorre na Ilha do Faial, onde a obra foi escrita.
- Ídola: poesia. Lisboa: Hugin, 2002. – 79 p.; nota biográfica pelo Dr. José Varela Pires.
- Versos de redobre: à memoria de João de Deus. Silves: Câmara Municipal, 2004. – 32 p.; capa do autor. – Obra apresentada pelo bisneto de João de Deus, o prof. Dr. António Ponces de Carvalho.
- Safra: antologia poética, 1988-2008. Pref. António Cândido Franco. S.l.: MNS., 2011. – 244 p.; capa do autor.
- Sulino. Albufeira: Arandis, 2012. – 80 p.; capa de Fernando Lobo.
- Claves do sol e da lua. Albufeira: Arandis, 2013. – 101 p.; capa do autor e de Fernando Lobo.
- O corpo como nudez. Pref. Luiz Fagundes Duarte; il. Guy Belhomme. Albufeira: Arandis, abril 2014. – 128 p.; fotografia da capa de Patrícia Vieira; capa de Fernando Lobo.
- Aurora boreal ao sul [poesia]. Pref. Risoleta C. Pinto Pedro (“Sobre Aurora boreal ao sul, de Manuel Neto dos Santos”, p. 13-18). Albufeira: Arandis, dez. 2015. – 86 p.; capa de Fernando Lobo; foto Vítor Pina.
- Círculo de fogo. – Aguarelas de Fernando Lobo; pórticos de Jorge Telles de Menezes e António Patrício Pereira. Albufeira: Arandis, março 2016. – 158 p.; capa do autor e Fernando Lobo.
- Passionário, 2016.
- Manuel Neto dos Santos: poemas / poemas / poezii. – “Edición trilingue”; trad. de Pedro S. Sanz y Simona Ailenii. Granada: El Genio Maligno, 2016. – Col. “Juego de Espejo”, 2. – 25 p.; il. de Fernando Lobo.
- Teimosa maré / Terca marea [poesia]. Col. "Chamán ante el fuego", n.º 20. Edição bilingüe português-castellhno. Trad. Pedro Sanchez Sanz; imagem da capa de María José López. Chamán Ediciones, 2019.
Edição literária, tradução, estudos, fotobiografia
- Poeta é o povo: colectânea de poetas populares do Alentejo e Algarve. Compil. Edmundo Falé, Manuel Netos dos Santos, Maria José Fraqueza. Lagoa: APPA, 1990.
- As letras e as palavras: poemas / Adelina Bárbara Vieira; recolha pref. e notas de Manuel Neto dos Santos. S.l.: A. Bárbara Vieira, 1991.
- Coração analfabeto: poesia / Adelina Bárbara Vieira; comp. e pref. Manuel Neto dos Santos. S.l.: Adelina B. V., 1994.
- Posfácio de Raíz de lado nenhum / [José] Mendes Bota. Lagoa : Tribuna do Algarve, 1992. – Com pref. de Natália Correia. – 80 p.; il.
- De Deus a algazarra de silêncios: vida e obra de João de Deus. Silves: Câmara Municipal, 1996. – 180 p.; capa de Vasco Célio. – Volume biográfico e de estudo do poeta e pedagogo João de Deus, começado em 1992, com a recolha de elementos biográficos, e publicado na celebração do aniversário do nascimento de João de Deus [São Bartolomeu de Messines, 1830 - Lisboa, 1896].
- Subsídios para a história da poesia do Algarve: séc. XI-XX. Rev. Manuel Neto dos Santos, Ana Maria Linha. Silves: Voz de Silves: Gazeta de Lagoa, 2000. – 1151 p.; capa do autor. – Volume cujas e recolhas e leituras tiveram início em 1994 e cuja compilação de textos remonta ao período da presença árabe no Algarve.
- Prefácio de Raiz perturbada ou a navegação do amor / Miguel Afonso.
- Apresentação de A guardadora do tesouro e a vara de ouro (Angra do Heroísmo: Blu, 1998) de Eduarda Faria da Rosa, na ilha do Faial em 1999.
- Profere palestra na Universidade de Lovaina, na Bélgica, sobre a influência da língua árabe no Português e o antropomorfismo islâmico no lirismo de autores algarvios. Fev. 2003.
- A convite do Prof. Dr. Adel Sidarus traduz do espanhol, a obra poética de Ibn’Ammar , poeta árabe do século XI.
- Manuel Neto dos Santos: o viandante das palavras: bio(foto)grafia. Albufeira: Arandis, 2014. – 147 p.; capa com reprod. de autorretrato em escultura de barro. Ed. comemorativa, 25 anos de edições.
Obra inédita
Nas badanas dos seus livros publicados, ou outros paratextos, o
poeta revela os textos guardados na gaveta ou no baú, alguns entretanto já
publicados (e que portanto não estão incluídos nesta enumeração):
“Fronteiras de Nusquama”; “Dorsos de luz de águas mais
profundas”; “Noite reclinada sobre um dos ombros”; “69 Breves estudos, para um
grande poema de amor”; “142 Íntimas cartas de público segredo”; “Raiz da memória,
e outros poemas namorando o ouvido”; “al-Mús-Sauddat, saudade à sombra das
horas e das nuvens”; “Requiem para o canto dos cisnes”; “Lago turvo para
Narciso”; “Cântico Lúcido”; “Homeros”; “Pois ia, só sei que não vou por aí”; “Fescénia”;
“In memoriam Arenas, Botto, Lorca”; “Deixa-me beber-te a formosura: 366 poemas
de amor bissexto”; “Breves dias eternos”; “Fíbula”; “Tímida exuberância”; “Dias
de fazer”.
Para saber mais
- Perfil pessoal, e oficial, do autor no Facebook.
- “Manuel Neto dos Santos” – site sobre a vida e a obra do poeta.
- “Manuel Neto dos Santos (Alcantarilha)”, in Algarve Primeiro [digital], Silves, 21.10.2015. – “Manuel Neto dos Santos foi convidado pelo Algarve Primeiro, a falar sobre o seu trabalho, percurso e, acima de tudo, sobre a sua obra poética.”
- Câmara Municipal de Sines - “Biblioteca Municipal de Silves Apresenta ‘O Viandante Das Palavras’”, A Voz do Algarve [digital], 22.01.2015.
- FÍBULA: Poemas por Manuel Neto dos Santos, in Adelaide Magazine – revista literária independente trimestral [digital], Nw York, Lisboa, 17.07.2015.
- Arandis Editora cria Prémio Literário para homenagear poeta algarvio, in , in Algarve Primeiro [digital], Silves, 12.05.2015.
Foto do perfil do autor no Facebook 23.12.2016
Um belo poema!
Para
al-Mutamid e Manuel Moya
Escrevo, para ouvir como se agitam as águas perante o rumor da
minha voz, guardado num poço de perpétua escuridão. O meu poema é um vulto
branco a arder ao sol mortiço de Outono (em pleno julho) e tudo em mim arrasta
os passos, como presos agrilhoados, cumprindo a pena capital de ter nascido; Condição
de poeta, por orgulho.
Escrevo, como se eu fosse pátios, fontes, arabescos precisos
numa profusão geométrica a lembrar quando o sol vem incendiar o vermelho dos
gerânios, para que a luz não repare em mim e eu possa ver, bem lá ao longe, o
lugar de onde já fui…
Escrevo, para que os sons da noite se revelem como relâmpago
azul, dilacerando o silêncio, e eu veja através da janela um céu despovoado de
nuvens, e vos lembre um deserto abobadado.
Escrevo para que os versos sejam um bando de estorninhos e o voo
colectivo das palavras me indique a minha própria migração; Negros, negros como
tantas paisagens de brancos areais; Versos que refletem a sua viuvez na
imensidão de um mar atravessado.
Escrevo, num cárcere ainda por erguer, que a vastidão da minha
taifa se apresenta como a subida heroica ao topo das muralhas, testemunhando a
horrenda mortandade, à sede, “no palácio das varandas” XARAJIB, como morrem as
flores silvestres no Algarve em pleno agosto…
Escrevo, num naufrágio por dentro do que sou, pois a alma hoje
rasteja (pele e osso) tão sedenta…com um véu de desespero que me vai escondendo
o rosto.
Manuel Neto dos Santos, Círculo de fogo, 2016, p. 151.
(Nota: O texto original não apresenta
parágrafos.)
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