26/08/2018

LÁPIDE, poema de Luís Amaro


"Caminhante sobre o mar de névoa", 1818
de Caspar David Friedrich

LÁPIDE


Procuro seu rosto
nos confins da memória.

Palavras que um dia
ouvi, ou sonhei,
súbito iluminam
tanta solidão.
Com elas componho
sem fim o segredo
do nosso destino.
Com elas invento
seu perfil de névoa,
sua voz ausente
e sempre guardada
num coração.

Flui, permanece
à flor dos dias
que correm, sem nome:
o tempo desgasta
o sonho submerso
na noite, na alma
sem luz... e a viver.
Por ínvios caminhos
me perco, à procura
de alguém que passou
um dia, cruzando
o céu sem estrelas
nem amanhecer.

Passou e perdura
nesse breve instante
longínquo e tão perto!
Não sei onde paira
seu perfil de névoa,
sua voz ausente,
velada, indecisa...
Mas da luz que doira
as coisas em volta
ressurge, e inunda
a vida de esperança,
ó rosto impalpável,
ó voz pressentida
lá no mais secreto
da alma, do ser.


Luís Amaro

In: Diário íntimo: dádiva e outros poemas, 3ª ed., 2011, p. 96-97.
[Ver versão anterior aqui.]

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