«É dizer muito pouco que vivemos num mundo de símbolos, um mundo de símbolos vive em nós.
A expressão simbólica traduz o esforço do homem para decifrar e dominar um destino que lhe escapa através das trevas que o rodeiam.»
Jean Chevalier, Dicionário dos Símbolos, Lisboa: 1994, p. 9.
Numa certa tarde soalheira mas ventosa de maio, em que nem nuvens fantasmagóricas nem pingas cruéis de chuva fustigaram os telhados e os solos da capital, transeuntes entravam e saíam corriqueiramente apressados da estação do metro de Cabo Ruivo, uma das sete estações da Linha do Oriente, a vermelha.
Junto à plataforma de entrada para o metropolitano, sentado num dos bancos de espera, e alheado da situação circundante, estava um rapaz de figura excêntrica, semelhante a um herói de BD ou a alguém oriundo de uma tribo maori, e significativamente marcado de traços sul-americanos; lia, deslumbrado, a TABACARIA de Álvaro de Campos, uma das modalidades de expressão do poeta Fernando Pessoa.
«[…] Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.Olho-o com desconforto da cabeça mal voltadaE com o desconforto da alma mal-entendendo.Ele morrerá e eu morrerei.Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,E a língua em que foram escritos os versos.Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como genteContinuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,Sempre uma coisa defronte da outra,Sempre uma coisa tão inútil como a outra,Sempre o impossível tão estúpido como o real,Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.[…]»
Talvez tambémToño Camuñas se interrogasse ele-próprio-o-artista-plástico-e-viajante, sobre a efemeridade da vida e a obra de um autor: qual o poder diabolicamente destruidor do tempo sobre os seus murais, as suas peles urbanas tatuadas em espaços públicos? A sua atividade de artista era isso mesmo, como quando fazia tatuar cada centímetro do seu mapa corporal, perfurar e modificar lugares de relevo do seu ser simultaneamente real e imaginado – o cobrir de formas e cores e símbolos, as marcas humanas da sua passagem tribal no planeta, os sinais à superfície dum mistério mais profundo e ancestral.
Toño Camuñas (n. 1967, em Madrid, vive no México)
Stand (excerto), 900 x 599.Ver contexto do stand e outros trabalhos in: www.karmikoko.wordpress.com
Ramon, de sacola de
pano a tiracolo contendo os seus pequenos blocos de desenho que mais parecem
passaportes para outra dimensão ou para o além, regressava da sua visita ao Cemitério
dos Olivais. Aí fotografara demorada e atentamente os signos lavrados por mãos
humanas em pedra ou mármore ou metal; os mistérios elegíacos que a memória
celebrativa dos vivos lapidara no leito tranquilo dos mortos. Quiçá rituais de
passagem.
Ramon Sanmiquel (n. Manresa, Barcelona, 1973)– «Sant Obscur»Fotografia in: Anna Adell: «Ramón Sanmiquel, acuarelas de refinada perversión», in Arte Actual, no blogue http://blog.setdart.com, 29.11.2012.
Descendo agora as escadas rolantes da estação do metro, o jovem artista depara-se com outros sinais gravados modernamente e que o transportam à experiência das gravuras rupestres…em linhas primitivas ou essenciais configuram-se, em grandes painéis, caçadores de arco e flecha lançando-se agilmente na perseguição da sua presa, um magnífico antílope de tempos imemoriais.
Fotografias in “Obra pública” da página oficial:
A estação metropolitana
de Cabo Ruivo foi inaugurada a 18 de julho de 1998 e apresenta atualmente
intervenções plásticas de David de Almeida (n. 1945, em S. Pedro do Sul): o passado histórico está visível através de motivos da arte pré-histórica.
De facto, entre estes
artistas plásticos ocorre um encontro artístico possível: os três têm obras integradas
na coleção do Centro Português de Serigrafia,
no nº 6 da Rua dos Industriais, em Lisboa.