21/05/2013

Encontro com Luís Amaro

Só a luz! só a luz vale a vida! A luz interior ou a luz exterior.

Raul Brandão
(Epígrafe que abre Diário íntimo, 3.ª ed., 2011)




1.    … na Biblioteca Nacional



Assinalando o nonagésimo aniversário de Luís Amaro (n. 1923), a Biblioteca Nacional de Portugal (BN) apresenta uma mostra documental da sua obra e atividade literária, aberta ao público entre 7 de maio e 29 de junho de 2013.

Na sala de referência, o visitante encontra à direita uma área com três vitrinas identificadas por um belo poster com o perfil recatado do Poeta: apresenta-se a poesia publicada em livro (Dádiva, 1949, e Diário íntimo, 1975), posteriormente reeditada e ampliada (Diário íntimo: Dádiva e outros poemas, 2.ª ed., Lisboa: &etc., 2006 / 3ª ed., revista, Évora: Licorne, 2011), integrada em antologias poéticas coletivas ( Antologia de poetas alentejanos, 1984, org. de Orlando Neves) ou ainda na revista literária Árvore, que o Autor cofundou e dirigiu. Outra obra impressa, que editou, reviu textualmente ou mesmo traduziu, está igualmente exposta.

O encontro realiza-se plenamente na descoberta de documentação manuscrita que permite reconfigurar a existência convivial pública e privada – postais, cartas, poemas que lhe foram enviados ou dedicados por poetas amigos, o manuscrito da recensão crítica de Vergílio Ferreira a Dádiva (publicado em Vértice, n.º 76, Coimbra, dez. 1949), ou a reprodução de um texto jornalístico sobre o percurso de escrita de Luís Amaro iniciado aos 12 anos de idade (Henrique Zarco, «Às portas de Mértola. A vida do jornalista», O Distrito de Beja, 14.12.1935).
As vitrinas da exposição colocam assim em evidência o Espólio N5 da BNP, o de Luís Amaro, composto por 54 caixas depositadas desde 1981, através do epistolário recebido e colecionado pelo poeta – estão expostos originais de Vergílio Ferreira, Irene Lisboa e Jorge de Sena, entre outros documentos biográficos.


No dia 13 de maio de 2013, na sala de referência da BN,
antes da Sessão evocativa do nonagésimo aniversário
de Luís Amaro, com intervenção de Eugénio Lisboa.
 

2.    … na Vida e na Obra


Retrato de L. A., «a partir de uma fotografia de 1950», 
por Luís Manuel Gaspar (n. 1960, artista plástico e poeta).
Publicado na badana de Diário Íntimo, 2ª ed., Lisboa: & etc., 2006.

          Luís Amaro (n. Aljustrel / Alentejo, a 5 de maio de 1923), também conhecido como Francisco Luís Amaro, é um poeta e um investigador escrupuloso que dedicou toda sua vida à literatura portuguesa.

A sua generosidade, de verdadeiro formador, para com investigadores, ensaístas e escritores é sobejamente conhecida por quem dele se abeira para falar de literatura ou solicitar algum apoio: agradecemos-lhe as «preciosas indicações, achegas ou até a correção de erros e falhas».

Chegado à capital em setembro de 1971, aí desempenhará atividades nas Portugálias (livraria e editora) durante cerca de 28 anos, tendo contactado com as principais figuras da cultura portuguesa de então, “cuidando” da edição dos seus livros: desde poetas, romancistas, ensaístas, tradutores e editores até ao Prémio Nobel da Medicina, Egas Moniz (1874-1955), que lhe confiou as suas Conferências médicas e literárias (vols. IV e V, Lisboa: Portugália, 1950 e 52).

Neste extenso período da sua atividade na Portugália Editora, Luís Amaro devotou grande parte do seu tempo à revisão textual de obras literárias, geralmente com os próprios autores: Dia longo (1944) de Ribeiro Couto; Mar de Cristo (1957) de Mário Beirão; Líricas portuguesas, 3.ª série (1958) organização de Jorge de Sena; Obras Completas de M. Teixeira-Gomes – revisão textual dos 11 primeiros vols., de Cartas a Columbano (nov. 1957) a Novelas Eróticas (março 1961); A letra e o leitor (1969) de Jacinto do Prado Coelho; Poesias completas: 1929-1969 (1969) de Adolfo Casais Monteiro; e em parceria com Alberto de Serpa: Música ligeira (1970), obra póstuma de José Régio. Entre as muitas dedicatórias que Luís Amaro recebeu pela assistência que prestou durante a edição da obra de um autor, destaco a lapidarmente escrita pelo autor de Vidas são vidas: romance - Lisboa: Portugália, 1966:
Ao Luís Amaro, à sua sensibilidade de Poeta e à sua inteligência de revisor-crítico e leitor esclarecido, este livro que lhe deve tantos cuidados…, com um abraço grato do seu amigo José Régio / Portalegre, Fevereiro 1966.

Em 1970, é convidado a fazer parte da redação da revista Colóquio/Letras, onde ocupa sucessivamente os cargos de secretário (1971-86), diretor-adjunto (1986-89) e consultor editorial (1989-1996). Ao serviço desta revista literária prestigiada em Portugal e além-fronteiras, Luís Amaro realizou «uma contínua dádiva de si mesmo, através de um imenso rigor na supervisão dos textos, de uma erudição única no campo da bibliografia e da crítica da literatura portuguesa», demonstrando «uma excecional capacidade de trabalho, tão minucioso e apaixonado nas tarefas mais humildes como na investigação mais especializada» (“Editorial” da Colóquio/Letrasn.º 108, mar. 1989).

Luís Amaro elaborou bibliografias da revista presença e de autores presencistas, de poetas e ensaístas, da produção literária de uma década (os anos 40) e de meio século de literatura portuguesa (1936-86). Uma das atividades de inventariação bibliográfica que mais terá amado, pese os cuidados do percurso, terá sido a compilação de excertos críticos sobre a obra de um Autor: a considerada fortuna crítica de uma obra. Para além da sua atenção votada regularmente à bibliografia regiana, é de destacar a magnífica «Marginália crítica e biográfica» sobre Mário Beirão, em Poesias Completas, (Lisboa: IN-CM, 1996 – org. António Cândido Franco e Luís Amaro; pref. José Carlos Seabra Pereira).

Como poeta, cedo publicou as suas primícias em jornais (A Ideia Livre, Anadia, 1939; Revista Transtagana, Évora, 1941; Seara Nova, Lisboa, 1943, 1945, 1948; Almanaque de Lembranças Alentejanas, Elvas, 1944; Diário de Lisboa, 1946; Viagem, 1947; O Primeiro de Janeiro, Porto, 1948), publicando a primeira vez em volume Dádiva – poemas (Lisboa: Portugália, julho de 1949), com capa de Manuel Ribeiro de Pavia.

Foi, juntamente com António Luís Moita, António Ramos Rosa, José Terra e Raul de Carvalho, um dos fundadores e editores da revista Árvore – folhas de poesia, de que saíram quatro fascículos, de Outono de 1951 a 1953, onde também publicou alguns dos seus poemas.

Continuou a colaborar com poesia nas mais diversas publicações periódicas: Távola Redonda, Lisboa, 1950; Horizonte, Évora, 1951; supl. “Cultura e Arte” de O Comércio do Porto, 1952; “Artes e Letras” do Diário de Notícias, 1955, 1956, 1957, 1967, 1968, 1969, 1970, 1971, 1972, 1974; Diário Ilustrado, 1957; “Literatura & Arte” de A Capital, Lisboa, 1968, 1969; Colóquio/Letras, Lisboa, 1989; Letras & Letras, Porto, 1991. Publicou igualmente nas pastinhas de Poesia, publicadas na Queima das Fitas da Universidade de Coimbra, organizadas por Fernando Pinto Ribeiro, Coimbra, 1968, 1969, 1971.

          A sua poesia está reunida e acessível em


DIÁRIO ÍNTIMO: Dádiva e Outros Poemas,3ª edição, revista, com Marginália Crítica e trecho epistolar inédito de Jorge de SenaÉvora: Licorne, 2011.

3.    … na poesia




BIOGRAFIA


Extrair poesia duma alma
precária, qual a minha,
num corpo frágil,
eu sei… é quase heroico.

Porque cá dentro é escuro,
como falar senão da noite louca,
da morte que nos ronda
e se interpõe
entre o meu olhar e a luz do dia?

E anda um fantasma a corroer a nossa,
nossa alegria…

Como cantar as paisagens belas
se a noite é sem estrelas?

Como falar dos tempos de criança
se nunca tive infância?

E tanto que eu quisera
vibrar à luz do sol
e enleado esquecer-me no mistério
duma flor que nasce
aberta para o mundo
na manhã em que tudo é primavera!


Luís Amaro
(Diário íntimo: dádiva e outros poemas, 3ª ed., 2011, p. 75)




JC Canoa
Massamá, 21.05.2013